Após 20 anos, Plano Verão deixa legado de indenizações bilionárias
Há 20 anos, o Brasil passava pelo terceiro pacote econômico depois do fim da ditadura militar: o Plano Verão. Baseado em premissas semelhantes aos outros planos criados durante a presidência de José Sarney…
Há 20 anos, o Brasil passava pelo terceiro pacote econômico depois do fim da ditadura militar: o Plano Verão. Baseado em premissas semelhantes aos outros planos criados durante a presidência de José Sarney –o Plano Cruzado (1986) e o Plano Bresser (1987)–, o Plano Verão, em termos numéricos, foi o mais catastrófico. Depois dele a inflação chegou ao mais alto nível na história recente do país –ficou acima dos 80% mensais antes da posse de Fernando Collor– e gerou problemas judiciais que perduram até hoje devido às perdas bilionárias dos clientes da poupança e dos assalariados.
Mas apesar de seus problemas, o Plano Verão teve algum valor por conseguir segurar parcialmente a escalada inflacionária, segundo economistas. Segundo eles, pouco se poderia fazer frente aos diversos problemas macroeconômicos que o país tinha –o último ano do governo Sarney, os resquícios da moratória de 1987 e o temor de que o próximo presidente decretasse um calote da dívida pública, entre outros.
Mailson da Nóbrega, ministro da Fazenda durante a implantação do Plano Verão
Para o próprio ministro da Fazenda à época e responsável pelas medidas, Mailson da Nóbrega, não dá para dizer que o Plano Verão deu certo. Ele lamenta não ter obtido êxito na aprovação das medidas fiscais, que seria a parte do plano que teria efeito mais duradouro.
Na tentativa de segurar a inflação, as principais medidas anunciadas por Mailson não fugiam muito do que se tinha feito nos planos anteriores: mudança no nome da moeda (na ocasião, de Cruzado para Cruzado Novo), corte de três zeros –transformando 1.000 Cruzados em 1 Cruzado Novo–, congelamento de preços, mudanças nos indexadores de salários e poupança e tentativa de fazer a moeda ter paridade com o dólar.
Como não adotou medidas inovadoras, dizia-se que Mailson fazia apenas o “”arroz com feijão”” –ou seja, levava a situação para que o próximo presidente tomasse medidas mais efetivas. “”Era mais ou menos o seguinte: o remédio era ruim e todo mundo sabia que não faria efeito, mas se não tomasse morria””, explicou Ricardo Humberto Rocha, professor de finanças do Ibmec São Paulo.
A meta –grande para a época e modesta para os dias de hoje– era fazer a inflação ficar na casa dos 10% ao mês. Em janeiro de 1989, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) marcava 37,49% mensais. Nos três primeiros meses, o pacote teve efeito: a inflação caiu para 16,78% em fevereiro, 6,82% em março e 8,33% em abril. Porém, daí em diante começou a subir até chegar aos 82,39% em março de 1990, quando Sarney deixou o Planalto para a chegada de Collor.
Para Heron do Carmo, ex-presidente do Corecon-SP (Conselho Regional de Economia de São Paulo), a inflação poderia ter atingido os três dígitos sem o Plano Verão. “”Se em 2002, no último ano do Fernando Henrique Cardoso e com instituições mais sólidas, já teve aumento da inflação, imagine naquela época””, explica.
Marcos Fernandes, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), lembra ainda que os resquícios do fracasso do Plano Cruzado influenciou as decisões econômicas dos anos seguintes, o que impediu o Plano Verão de ter um desempenho melhor. “”No Plano Cruzado, havia a oportunidade de fazer um projeto para o país, mas não deu certo. Se o Cruzado tivesse vingado, seria mais fácil [controlar a inflação]””, disse. “”Daí em diante, passaram a olhar a política econômica no dia a dia, quando era necessário pensar no longo prazo.””
Corte nos gastos
Além da parte relacionada ao setor financeiro em si, o Plano Verão também tinha planejamento para corte dos gastos públicos, já que o desequilíbrio fiscal do governo era considerado o principal motivador da inflação. Entre as medidas nesse sentido, o pacote previa um arrocho fiscal que passaria pela privatização de estatais, extinção de alguns órgãos públicos e a possibilidade de demissão de servidores federais.
Porém, nenhuma dessas medidas foi aprovada no Congresso –que na época não apoiava Sarney. Apenas a medida provisória do congelamento de preços passou pelo crivo dos deputados federais. “”Em lugar nenhum dá para fazer medidas de arrocho em final de mandato””, disse Heron do Carmo.
Fernandes lembra que, a favor do Plano Verão, deve-se levar em conta que mesmo em situações políticas mais favoráveis –como no Plano Real (1994)– não foram tomadas medidas mais contundentes para reduzir o gasto público.
Mas a percepção da urgência em reequilibrar as contas do governo –até hoje uma missão não concluída– teve no Plano Verão a sua primeira tentativa prática de mudança, o que influenciou a política monetária nos anos seguintes. “”Brasileiro não aceita cortar orçamento. Enquanto no mercado já se falava nisso, Mailson foi o primeiro dentro do governo a falar com cortar gasto””, disse Rocha.
Essa posição, porém, não é unânime. “”Poderia ter sido feito coisa melhor sim. Bastava ter força de vontade política. Mas como o custo político para o PMDB [a legenda que tinha maioria no Congresso] seria alto, empurraram com a barriga””, lamenta o economista Luís Jurandir Simões, professor da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras).
Poupança e salários
Até hoje o país tem resquícios das decisões tomadas no Plano Verão. As mais importantes são as mudanças na indexação da poupança e dos salários.
O rendimento da poupança, na época atrelado ao IPC (Índice de Preços ao Consumidor) ou pelo rendimento da LBC (Letra do BC), passou a ter como indexador a LTF (Letra Financeira do Tesouro) menos 0,5%. Porém, os bancos deram rendimentos de todo o mês de janeiro atrelados à LTF, quando deveria ter dado atrelado aos indexadores antigos nos dias anteriores à edição do Plano Verão. A diferença de rendimento foi de 16,64%.
“”Como o mesmo ocorreu nos planos Cruzado e Bresser, isso causou um problema judicial sério. Se no Plano Cruzado todo mundo foi pego de surpresa, no Verão os advogados já tinham aprendido o que fazer””, disse Heron do Carmo, acrescentando que as perdas do Plano Verão foram maiores do que nos outros planos econômicos, o que incentivou ainda mais as pessoas a irem à Justiça.
Desde então, proliferaram as ações para reaver a diferença. Os pedidos nesse sentido se intensificaram no ano passado, já que no final do ano acabou o prazo para os questionamentos. O mesmo ocorreu nos ajustes dos salários –nesse caso, as ações na Justiça prosseguem, já que não foi definida uma regra para a correção.
“”As mudanças de vetores configuravam em quebras contratuais, o que era ruim para a imagem do país””, disse Rocha. “”Já o Plano Real foi mais transparente neste sentido.””