Especialistas recomendam não mexer em aplicações agora
Para quem tem recursos sobrando, como o FGTS, dica é manter o conservadorismo
Muita calma nessa hora. Assim pode ser resumida a recomendação de consultores financeiros aos investidores que ficaram apavorados com o novo capítulo da crise política. Enquanto o cenário de incerteza persistir, a melhor alternativa a quem tem dinheiro aplicado é não fazer nada. Um resgate neste momento pode significar prejuízo. Para quem está com recursos sobrando, como uma conta inativa do FGTS recém-resgatada, a opção é o conservadorismo.
Sandra Blanco, consultora da Órama Investimentos, explica que as decisões de investimento devem ser tomadas de acordo com o perfil de risco de cada cliente (quem é mais arrojado colocará mais dinheiro em ações, por exemplo) e com o cenário econômico mais provável de se concretizar. Até meados da semana passada, a expectativa era de aprovação das reformas econômicas, juros em torno de 8% no fim do ano, inflação abaixo do centro da meta (4,5%), dólar próximo aos R$ 3 e sinais mais claros de retomada do crescimento no segundo semestre. Com a delação premiada da JBS, que comprometeu o presidente Michel Temer, essas projeções caíram por terra — ao menos por enquanto.
— A recomendação é não fazer nada. Não temos dados neste momento para tomar uma decisão acertada. Está todo mundo reavaliando os cenários, então é melhor não mexer nas aplicações — diz Sandra.
CAUTELA VALE PARA TODOS OS ATIVOS
Segundo a consultora da Órama, essa postura deve ser tomada independentemente da classe de ativos em que o dinheiro estiver aplicado. Algumas ações, na quinta-feira, registraram tombos de dois dígitos, como Petrobras, Cemig, Eletrobras e os bancos, enquanto o Ibovespa desabou 8,8% e o dólar teve a maior alta em 18 anos. Quem vendeu no auge do pânico vai demorar para recuperar essa perda. O mesmo se aplica a quem tem dinheiro em fundos que registraram fortes oscilações.
Agora, para quem vai fazer uma aplicação nova, vale buscar opções conservadoras e que tenham liquidez, ou seja, que permitam resgatar os recursos a qualquer momento. Dessa forma, quando a tempestade política se acalmar e o cenário econômico ficar mais claro, será possível reposicionar ao menos parte das reservas em aplicações que garantam uma rentabilidade melhor.
— O melhor é buscar aplicações atreladas aos juros, como fundos ou títulos públicos ou privados — explica Sandra.
Se a pessoa tem certeza de que não vai precisar dos recursos a curto prazo, uma boa opção é mantê-los em renda fixa, mas em títulos prefixados. Isso porque, com o cenário incerto, alguns economistas não veem mais espaço para uma queda tão forte dos juros este ano. A Selic está em 11,25% ao ano, e, antes da delação, alguns bancos já apostavam que encerraria 2017 abaixo de 8%. Como essa expectativa mudou, os papéis prefixados estão oferecendo rendimentos maiores.
Fábio Colombo, administrador de investimentos, também diz que os investidores devem, a todo custo, evitar mudanças bruscas:
— No desespero, alguém pode mexer em uma aplicação de renda fixa. Mesmo que vá para um ativo da mesma categoria, a incidência de Imposto de Renda pode não compensar.
O IR sobre os investimentos de renda fixa variam de 15% a 22,5% sobre os ganhos. A alíquota vai caindo de acordo com o tempo de permanência na aplicação, e a porcentagem menor começa a incidir nos resgates feitos pelo menos dois anos após o aporte. Fazer uma realocação entre títulos significa que esse prazo será “zerado”, e isso também deve ser levado em conta.
ATENÇÃO AO RISCO DE APLICAÇÕES EM AÇÕES
Para o dinheiro novo, Colombo sugere as opções em renda fixa para os investidores de perfil mais conservador, ou seja, aqueles não gostam de correr risco. A quem quer arriscar um pouco mais, ele recomenda colocar cerca de 20% em ações. Isso porque, com o tombo de quinta-feira, algumas ficaram com preço atraente e podem acumular bom retorno a longo prazo.
— Algumas ações estão com um desconto de 5% a 10%, ou até mais. Não é comprar para especular, é investir com uma visão de longo prazo — explica Colombo.
Na avaliação de Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora, o período é de cautela e, para quem tem objetivo de longo prazo, o melhor é adotar uma postura neutra.
— A recomendação é a neutralidade. Vamos passar por um período de mais cautela, então o melhor é só observar e esperar a volatilidade baixar. Mas, para quem está olhando o longo prazo, há boas oportunidades na Bolsa — diz, citando como exemplos Weg, Vale e Petrobras.
Caso do professor universitário Julio Vieira Neto, de 50 anos. Ele começou a investir em ações há 13 anos, quando trabalhava em um empresa que vendia mercadorias para corretoras de investimentos. A partir do contato com o mercado financeiro, tomou gosto pela aplicação, mas sempre com uma visão de longo prazo.
— Acredito que o maior desafio atual são justamente as incertezas políticas pelas quais vivemos. Apesar das ações em que invisto serem de empresas mais consolidadas, a economia sente muito o impacto do momento político que estamos vivendo — ressalta Vieira Neto.
Mesmo para quem investe no longo prazo, Figueredo recomenda a adoção de limites de perda ou ganho, o que, no jargão do mercado financeiro, é conhecido como stop loss ou stop gain. Essas travas servem para administrar o risco dos investimentos em ações. No caso do limite de perda, o investidor estipula o máximo que quer perder. Se chegar a essa variação, é hora de vender e tentar recuperar o dinheiro em outro papel. O mesmo vale para os ganhos. Após chegar a um determinado nível de ganho, a recomendação é vender e buscar outra opção.
— Os stops servem como uma proteção. Não é porque o investidor tem um olhar de longo prazo que não vai usar essa estratégia. Imagina quem comprou ações da Petrobras na época da megacapitalização, em 2010, e viu a empresa perder valor, que até hoje não recuperou. Por isso impor um limite é importante — explicou.
Na época dessa operação da Petrobras, as ações preferenciais custavam pouco menos de R$ 24. Atualmente, estão a R$ 13,61.
Uma situação assim pode afastar um investidor traumatizado. O diretor de arte Eduardo Beck, de 38 anos, começou a investir em ações em 2011, quando um amigo passou a fazer operações e lucrar. Dois anos depois, Beck perdeu bastante dinheiro ao investir na OGX, de Eike Batista.
— Por muito tempo eu me guiava no mercado a partir das ações dos outros. Deu certo até um tempo. Depois percebi que é uma área pra quem sabe jogar.
Fonte: O Globo