Conexão Varejo: como se adaptar às exigências do pós-consumidor
Os novos comportamentos e consciência da sociedade estão transformando a forma de consumir e exigem uma nova (e urgente) mentalidade do varejo e da indústria.
“Se há um fator em comum que une as tendências globais de consumo em 2019, é a inteligência.” É assim que começa o estudo ‘As 10 principais tendências globais de consumo 2019’, desenvolvido pelo Euromonitor International. O material é uma excelente fonte para compreender o consumidor atual e destaca como a sociedade está se tornando mais consciente sobre os impactos das suas escolhas, mudando a forma de consumir.
Tendências como “todos são especialistas”, “posso cuidar de mim mesmo”, “eu quero agora!”, “de volta ao básico pelo status”, “quero um mundo sem plástico” e “consumidor consciente” (confira o que cada uma delas significa no box abaixo), apontadas no estudo, traduzem comportamentos que estão se disseminando rapidamente e favorecem novos tipos de negócios. Empresas voltadas para o aluguel de objetos, assinatura, atacarejo, colabs, com rastreamento da cadeia de produção se tornam mais atrativas em um momento em que critérios como sustentabilidade, trabalho justo e ético, responsabilidade social e colaboratividade ganham considerável importância como critérios de decisão para o consumidor.
Tendências conscientes – por Euromonitor International
“Todos são especialistas”: redução do poder das lojas como fonte de informação sobre o consumidor;
“Posso cuidar de mim mesmo”: autossuficiência na execução de tarefas e redução na contratação de serviços;
“Eu quero agora!”: valorização de experiências sem atritos;
“De volta ao básico pelo status”: abandono do materialismo excessivo na direção de mais simplicidade, autenticidade e individualidade;
“Quero um mundo sem plástico”: questionamento sobre o excesso de embalagens;
“Consumidor consciente”: preferência por empresas com posicionamento ético e preocupação com o bem-estar animal.
Nova economia
A partir da mesma percepção sobre a mudança de comportamento do consumidor, o Núcleo de Pesquisas do Sindilojas Porto Alegre realizou o estudo “Negócios do bem”. O material se debruça sobre como funcionam as empresas que causam um impacto positivo para a sociedade e para o meio ambiente e traduzem essa nova mentalidade, que tem sido exigida do varejo e da indústria.
“Em um mundo globalizado e movido pelo consumo, algumas pessoas passaram a se preocupar com o legado socioambiental que as marcas deixarão e de que maneira poderiam conscientizar a sociedade no que diz respeito ao impacto das nossas ações. Nesse contexto, vem se percebendo uma necessidade de abrir negócios que tragam benefícios além da prosperidade financeira e um crescente comprometimento do empreendedor em transformar a realidade social coletiva”, afirma o estudo. Ilustrando esse movimento, destacam-se marcas como a Dobra – que vende carteiras, tênis e outros produtos feitos com um material super-resistente e reciclável semelhante ao papel, faz parcerias para cocriação e arrecada valores para causas beneficentes – e a Smile Flame – que desenvolve projetos sociais em parceria com empresas, buscando soluções inovadoras e divertidas para problemáticas sociais.
Como afirma Gean Martins, professor na ESPM e especialista em Marketing, as questões ambientais, a influência das mídias sociais e o convívio com grupos de forma muito dinâmica por meio da tecnologia estão por trás dessa mudança nas diretrizes do consumo. “Quase sempre o consumidor faz uma pesquisa prévia na fase de consideração e engajamento para a compra, por isso, as lojas precisam se esforçar para entregar o que ele deseja e tirar o atrito, tornando o consumo mais fluído e efetivo”, explica.
A questão do impacto
Toda ação gera uma reação, já dizia o físico Isaac Newton. E essa reação às ações humanas no mundo é o que chamamos de impacto. No caso do consumo, os principais impactos colocados em xeque são o ambiental e o social.
Diferentemente dos negócios tradicionais (que objetivam o lucro) e das ONGs (que não tem fins lucrativos), os negócios de impacto socioambiental positivo precisam de retorno financeiro para se manterem prósperos, mas também se preocupam em promover uma transformação social por meio da conscientização. Negócios com esse perfil costumam nascer de um propósito claro em transformar a realidade e geram muita motivação de todos os envolvidos em alguma parte da cadeia.
Mas não pense que somente negócios específicos podem promover impactos positivos para a sociedade. Empresas já consolidadas, que atuam em qualquer segmento também podem adotar essa consciência. A TOM’S, por exemplo, atua no sistema de compensação cruzada, no qual a cada alpargata comercializada gera a doação de outro sapato para uma criança carente em um país em desenvolvimento. Outro sistema possível é em uma espécie de contribuição mínima, no qual cada produto ou serviço da empresa tem o valor acrescido em R$ 1, e esse valor é direcionado a um fundo que vai financiar um projeto de impacto social específico após determinado prazo.
De acordo com Gean Martins, inclusive as lojas mais tradicionais podem criar mecanismos que garantam o atendimento aos critérios exigidos pelos seus públicos. “Participar de feiras e consumir informações de fonte segura é essencial, assim como manter contato estreito com indústrias e distribuidores levando as indagações do consumidor”, exemplifica.
Pós-consumidor e as novas modalidades
A mudança de consciência que vem marcando essa nova mentalidade dos consumidores forma o que estudiosos do tema chamam de pós-consumidor. De acordo com a pesquisadora Sênior da Monash University, Eloise Zoppos, que palestrou no World Retail Congress, o pós-consumidor é definido pela busca de significados e se preocupa muito mais com a experiência do que com o aspecto material. Confiança para consumir é essencial para esse público, por isso, ele considera critérios como consciência ética das marcas e alinhamento das empresas com seus valores pessoais.
Nesse cenário, alternativas que promovem menos impactos ou que tragam benefícios mais claros ao consumidor estão ganhando força. O aluguel de objetos em vez da compra é um exemplo disso. Aqui, objetos com pouco uso são locados, gerando uma demanda menor de produção e dando mais utilidade ao mesmo bem. A modalidade de negócio pode ser aplicada a quase qualquer segmento, mas funciona especialmente bem para ferragens, floriculturas, móveis e decoração, livrarias e até vestuário.
Outro formato diferenciado é o clube de assinatura, voltado na maioria das vezes para nichos específicos e que pode garantir produtos selecionados, que respeitem qualquer critério exigido pelo comprador, além de garantir uma ótima experiência baseada na comodidade. Comida saudável, hobbies, pets, restrições alimentares, universo geek, culinária, decoração, DIY (faça você mesmo), papelaria, cafés, bebidas e até lâminas de barbear são modelos conhecidos de clubes de assinatura.
Esse evidente aumento da consciência dos consumidores traz novos desafios aos negócios, mas parte essencial da trajetória no empreendedorismo é a capacidade de transformar-se. Mudar constantemente é essencial, pois é a partir disso que ocorre a evolução e o crescimento. E é nesse momento é que todos realmente são beneficiados: as pessoas, as empresas e o planeta.
Confira alguns dados do Mapa de Negócios de Impacto Social+Ambiental 2019, da Pipe.Social:
Áreas de impacto: 46% tecnologias verdes | 43% cidadania | 36% educação
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU considerados: Produção e consumo sustentável: 39% | Cidades e comunidades sustentáveis: 37% | Saúde e bem-estar: 32% | Trabalho decente: 31% | Redução das desigualdades: 30% | Educação de qualidade: 26% | Ação contra mudança global do clima: 24%
Modelo de negócios: B2B (Business to Business): 57% | B2C (Business to Consumer): 56% | B2B2C (Business to Business to Consumer): 42%
Gostou dessa matéria? Ela faz parte da edição de outubro/2019 da revista Conexão Varejo. Clique aqui para conferir a publicação digital.