Cinco tendências que vão comandar o varejo

“É importante proporcionar experiência de compra e ser inovador onde o atendimento precisa surpreender”, adverte o presidente do Sindilojas Porto Alegre, Paulo Kruse, que lidera a FBV

Não é só no Brasil que um temor está no ar. Na recente National Retail Federation (NRF), considerada a maior feira de varejo do mundo, o clima era de apocalipse. A loja física está com os dias contados? Afinal, o “predador” digital está à solta? O evento terminou em Nova Iorque, e o mundo não acabou. Boa notícia, mas é aí que começa o outro lado dessa história. O que não falta são sinais do que é preciso incorporar ao negócio – aí é papo sério. Vamos aos números: 25% dos shopping centers vão fechar em cinco anos nos Estados Unidos, e 10% do fluxo em ponto físico caiu em cinco anos. O termo que virou hit para enfrentar as mudanças é phygital (dos termos em inglês physicist e digital) e resume a união do varejo real com o mundo de big data e algoritmos. 

Nesta onda de mudanças, o recado mais emblemático veio do CEO do Walmart, maior varejista do mundo: “O comércio muda muito. Se você estiver entendiado, não está fazendo a coisa certa”, resumiu Doug McMillon. O fato é que existe uma vida antes e pós-NRF. No final de maio, a Feira Brasileira do Varejo (FBV), que será em Porto Alegre, retomará os temas que norteiam o setor. 

“É importante proporcionar experiência de compra e ser inovador onde o atendimento precisa surpreender”, adverte o presidente do Sindilojas-POA, Paulo Kruse, que lidera a FBV. O arsenal de ferramentas é ilimitado, e a capacidade de assimilar conhecimento varia segundo o tamanho da operação. Cinco dimensões englobam as ações: experiência, pessoas, phygital, comunidade e parcerias. Então vale a pena conferir exemplos e alertas de veteranos no ramo antes de buscar as saídas para reposicionar os negócios.

EXPERIÊNCIA

A loja tradicional não funciona mais, avisa Fabiano Zortéa, do Sebrae-RS. Produto e preço viraram commodities, completa. “O consumidor não sai mais de casa para ter isso”, demarca o especialista. Quando se fala em ponto de venda, a palavra-chave é experiência. “O consumidor quer lazer, ter um ponto de encontro, e tudo isso mexe com aspectos sensoriais e emocionais”, completa Zortéa. Manoel Alves Lima, da consultoria Gouvêa de Souza, cita que a loja é cada vez mais uma plataforma de comunicação. “É preciso tornar a experiência relevante, mostrar o propósito e o posicionamento da marca no ponto de venda”, elenca Lima. Exemplos de Nova Iorque:

Melissa – loja-conceito aberta em 2017 no bairro Soho para encantar quem entra. Luzes em LED chamam a atenção da rua. Os modelos de plástico da grife são expostos como se fossem obras de arte.

Eataly – é uma grande boutique com produtos e comidinhas italianas. Promove uma viagem pela Itália por meio da gastronomia. Histórias estão retratadas nas paredes e prateleiras. Estado:

Lojas Paty’s – fica em Cruzeiro do Sul e Santa Clara do Sul, interior gaúcho. Tatiani Herrmann criou, na loja física, um mix de produtos e serviços. Tem moda, consultoria, um aplicativo que orienta clientes e um guarda-roupa real. O Selfy é a solução que une virtual e físico para montar a coleção que combina com as clientes. “Chamo de venda consultiva, que aproveita as oportunidades”, define Tatiani, que temia o fim da loja física. A ajuda para decidir o que vestir evita que as clientes tenham peças que nunca vão usar. “Trabalhamos com consumo consciente”, diz ela. Tatiani quer transformar o Selfy em franquia e ampliar o seu mercado.

PESSOAS

Foi o CEO da gigante Walmart, Doug McMillon, quem falou e chamou a atenção em Nova Iorque, com repercussão no Brasil, ao fazer um apelo: paguem bem seus funcionários, sugeriu o executivo, que mudou o padrão de baixos salários dos funcionários da rede nos EUA e montou um superprograma de treinamento para, por exemplo, dar condição de que um caixa ou um repositor de mercadorias possam lidar com novidades digitais. Tudo isso é indicativo de como o dono do negócio trata seu funcionário, desde salários a valorização, respeito, confiança e capacidade de transmitir aos clientes o que está vendendo. Metas, comissão etc., o que conta mesmo? Exemplos de Nova Iorque:

B&H (equipamentos de imagem e som): – vendedor não tem meta nem recebe comissão por resultados. A avaliação é feita em cima de satisfação dos clientes, e a aposta é forte em treinamento e perfil da formação de quem trabalha na única loja da marca em Nova Iorque.

Uniqlo – o caixa é o principal personagem no ciclo de compra. “Ele define se o cliente vai voltar”, diz José Roberto Resende, vice-presidente da CDL-POA. No Estado:

Mercado Brasco – minimercado com duas filiais em Porto Alegre. Os sócios, Gabriel Drumond de Moraes, Arthur Bolacell e Davy Dutra, todos do Interior, apostaram em qualificar esse tipo de varejo focando os funcionários. O ambiente precisa ser divertido e bom para quem trabalha. Com 41 funcionários, a estratégia começa ao buscar pessoas simpáticas e com espírito jovem. “A entrevista de seleção é mais conversa. Buscamos pessoas simples”, diz Moraes. Todas semanas, ocorrem reuniões para avaliar o ambiente, falar de novidades nas lojas e colocar problemas. Ao preencher vagas, prioriza-se quem está na operação. “Comunicamos no grupo de WhatsApp”, diz Moraes. Há planos para dar mais descontos em produtos das lojas e firmar convênio para atendimento terapêutico, uma demanda da equipe, diz Moraes.

COMUNIDADE

Seu varejo interage com a sua vizinhança? Zortéa dá a dica: preocupasse com o entorno também é fator de competitividade. Como assim? Ao interagir, levar para dentro da operações as 'personas' que compõem a comunidade onde está o negócio, o varejo gera fluxo, altera a percepção do lugar e uma consequência tão esperada, que é a hora da compra, será natural. 'É como montar um minishopping com parcerias, mas é preciso ir a campo, levantar possibilidades na vizinhança. É como desenhar a persona (termo muito usado pelo marketing digital para identificar o público que vai interagir) da comunidade onde vai atuar", descreve o especialista do Sebrae. 

Exemplo de Nova Iorque:

Warby – ótica vende óculos com design e preço mais acessível. Tem projeto com famílias carentes para fornecer óculos e aprendizado profissional. No bairro onde fica, a filial cria como espaço como área de leitura.

Lululemon – grife de roupas de ginástica promove aulas de ioga e tem espaço para trabalho e encontros. No Estado: 

GVerri – loja colaborativa que reúne 13 marcas gaúchas no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Proposta é ser espaço dinâmico e multicultural; e oferecer, além dos produtos das marcas residentes, experiências de consumo. “Estamos sempre em busca de parcerias para fazer ações”, diz Gabriela Verri, que criou o hub. O GVerri promove eventos temáticos. Também já foram feitas sessões com artistas da vizinhança. A meta é reunir mais serviços, com residentes ou não, na loja.

PHYGITAL

A palavra phygital resume o que é o mundo do varejo em 2018. Mas uma primeira regrinha com toque de alerta é: digital não é só vender on-line. “A jornada começa cada vez mais no on-line, mas chega ao físico”, diz Gerson Klein, sócio da consultoria Point of Sale. “Tem de prestar atenção na transformação digital para estruturar a operação”, reforça João Paulo Albuquerque Melo, diretor de esportes e entretenimento da Cisco na América Latina. Exemplos de Nova Iorque:

Lowe’s – rede norte-americana com tudo para casa. Adota o chamado “pick-up on store” – o cliente compra on-line, em sua casa, e retira na loja. Já na loja física, painéis de interatividade permitem que o cliente escolha itens, pague e receba em casa. Vendedores têm em mãos as maquininhas de compra com cartão. O consumidor escolhe produtos na prateleira e já paga, sem passar pelo caixa. A integração Phygital faz com que 60% das vendas on-line tenham retirada na loja.

Amazon Books – soluções que integram venda de e-commerce com a loja física. No ponto de venda, livros são colocados com a capa para frente, como no site. Livros lidos por clientes conhecidos são colocados como referência para sugerir a consumidores na prateleira. Programa de Cliente Premium com taxa anual de US$ 99,00 é assinado por mais de 50% dos domicílios dos EUA com vantagens como não pagar taxa de entrega.

Espelho digital – atração na NRF 2018, já se multiplica em muitas lojas, algumas estabelecendo conexões entre on-line e loja física, e outras ampliando as percepções do cliente no ponto físico. A Intel criou o espelho inteligente, que permite simular desde o visual com cortes de cabelo, maquiagem – pode-se aplicar maquiagem de forma virtual e ver o efeito – a experimentar óculos e checar o visual que melhor combina com o rosto e o estilo do consumidor.

PARCERIAS

Parcerias envolvem abrir espaço no ponto físico para outras operações, complementando o mix e ampliando a interação com o público, até associação a serviços que aportem tecnologias, aliando-se a startups com soluções inovadoras e que estão em busca de oportunidades. Exemplo em Nova Iorque:

Urban Outfitters – rede de moda jovem amplia o perfil dos ambientes e vira multisserviço para elevar o tempo de permanência dos clientes. Na filial na rua 14 com avenida Broadway, foi instalado um salão de beleza e um restaurante de fast-food. No Estado:

Jane Beauty Centro Estético – o negócio de Janete Gregio, em Bento Gonçalves, há muito tempo, não é mais um simples salão de beleza, mas um centro de serviços e produtos. O resultado é que já são mais de 10 segmentos, desde barbearia, pub com cerveja de marca própria, vitrines com exposição de joias, bijuterias e óculos, spa garden com paisagismo de floricultura parceira, farmácia de manipulação, quadra de paddel e academia de ginástica. “Estreitamos relacionamento com parceiros, e tudo conversa com a minha marca”, acredita a empreendedora.

Thony – a ferragem de Porto Alegre selou parceria com o aplicativo Triider, espécie de Uber para contratar mão de obra de serviços domésticos. Juliane Oliveira, sócia-diretora da ferragem, diz que os clientes compram os produtos e sempre pedem dica de profissionais para executar o serviço. “A gente não dava conta da demanda”, diz Juliane. Com o Triider, a Thony montou estratégia que combina a indicação no ponto de venda e até cupom de descontos a clientes que usarem o serviço do app. “O grande lance era fechar a solução completa, o que ajuda na decisão rápida e pode chamar vendas”, aposta a diretora. “Os clientes conhecem a Thony. Vai ser um ganha-ganha.”

Rede chama vendedores de educadores

Adianta ter um produto de alta qualidade se o consumidor não entende o uso? Por que o compraria e quanto atenderia seu estilo de vida? A marca de roupas para ginástica líder no seu segmento nos Estados Unidos, Lululemon, resolveu essa equação. Tudo começa e termina com o vendedor. Nas lojas da marca, vendedor é chamado de educador. O resultado, segundo a rede, é que a denominação e o preparo de quem está na função fazem toda a diferença. Kayla Kalsay, 28 anos, trabalha há 2 anos e meio na filial do bairro Soho, ao Sul da ilha de Manhattan, em Nova Iorque. Ela mesma explica como age com os “convidados”, como se refere aos clientes, e a razão de serem chamados de educadores, um diferencial frente a outros varejos concorrentes e que se revela nas atitudes e na relação com seu empregador . 

“É uma loja maravilhosa. Acho que uma das coisas mais importantes é a conexão com as pessoas e a confiança. É isso o que eu gosto de construir com os nossos ‘convidados’”, descreve a “educadora”. “Assim podemos trabalhar juntos. E trabalhar com os nossos produtos é educação técnica, é dizer às pessoas por que precisam, adoram e merecem os artigos e quanto eles podem melhorar a vida delas. A função é superimportante, por exemplo, para mostrar como elas vão usar, por que estão usando. Nós queremos conhecer os objetivos dos nossos convidados e o que querem fazer”, esmiúça Kayla. 

“Então, é isso”, continua ela, “resgatar essa conexão e conseguir o produto certo para o que eles precisam”. Por que Kayla e os colegas não são chamados de vendedores? “Porque educamos sobre o produto que temos, falando por que eles precisam dele, para qual tipo de atividade (física) e qual seria o melhor produto, seja para algo divertido, emocionante ou ioga, temos algo específico para cada coisa. Por isso sou uma educadora. Somos todos educadores! (risos)”, explica a jovem.

A Lululemon foi uma das marcas visitadas pela comitiva de empresários gaúchos que foi a Nova Iorque, em janeiro passado, para conferir as tendências apontadas na NRF 2018 e conhecer modelos de lojas. Foram mais de 15 estabelecimentos visitados, todos escolhidos por apresentar inovações que possam agregar conhecimento aos varejistas gaúchos e, quem sabe, até inspirá-los nos negócios. Além de educadores em vez de vendedores, a rede de confecção para ginástica adota outras condutas na relação com seus “convidados”, como observar informações sobre o cliente quando ele está no provador – a porta do “dressing” (provador em inglês) é usada para anotar dados. 

Cada momento no provador é singular. Kayla e os colegas também são muito simpáticos, atendem com bom humor e ainda auxiliam em dicas de onde almoçar ou resolver outras demandas que o consumidor pode resolver na região. “Se for o caso, fazem reserva em restaurante ou de aula em academia”, cita José Roberto Resende, vice-presidente da Câmara de Dirigentes Logistas de Porto Alegre (CDL-POA) e que ciceroneou a comitiva na cidade. 

Cada loja pode realizar ainda aulas gratuitas de ioga, comandadas por professores propagadores da marca. Nas paredes das filiais, fotos gigantes mostram clientes em atividades de ginástica ou ioga. Os artigos femininos e masculinos têm preços mais elevados, pois usam materiais com tecnologia e atendem consumidores que adotam estilo mais descolado, atentos à qualidade de vida. Resende cita que cada loja faz um trabalho junto à sua comunidade. 

Os gerentes têm autonomia para trabalhar o perfil da filial de acordo com o entorno, se é mais popular ou sofisticado. Na loja visitada pelos gaúchos, há um espaço de interação, que é chamado de lab (laboratório), onde profissionais que têm afinidade com a cultura da Lululemon se reúnem, podem fazer encontros, usar o coworking. Também há clientes diferenciados que se transformam em embaixadores da marca e são aliados, sem receber verbas para isso, de projetos sociais que elegem apoiar.

‘A primeira reputação é a do funcionário’, avisa Saiani

O consultor e sócio da Ponto Direto, Edmour Saiani, avisa a donos e executivos de alto escalão das empresas de varejo que pessoas devem ser prioridade no funcionamento do negócio e que a hora de contratar é a mais importante na busca de profissionais. “A primeira reputação é a do funcionário”, avisa Saiani, indicando o peso de quem está no atendimento. O consultor sugere a seguir algumas práticas.

Empresas & Negócios – Qual é o peso das pessoas? 

Edmour Saiani – É preciso dar atenção às pessoas. Quem está perto do cliente é o mais importante. Eu chamo de “herói da ponta”, pois ele aguenta muito tranco, fala com o cliente todos os dias e economiza dinheiro em pesquisa, pois sabe o que o consumidor local quer. Implantar ideias sugeridas por essas pessoas ou apenas ouvi- -las e dar um retorno, mesmo que seja para justificar por que não vai adotar, são formas de valorizar esses profissionais.

Empresas & Negócios – Qual é a primeira coisa a se fazer? 

Saiani – A primeira reputação que se tem de criar é com os funcionários. Tem gente que ica atrás de cliente o tempo todo e esquece de quem está no atendimento. A segunda coisa mais difícil da empresa é achar gente, e a primeira mais difícil é achar gente boa. Tem de procurar muito. Se colocar uma pessoa ruim dentro do negócio, manda embora. Não reponha a vaga antes de achar a pessoa muito boa! Se não fizer isso, vai demolir tudo que foi construído. Entre treinar e contratar, o segundo é mais importante. Se o cara não foi educado pela mãe a cuidar bem do outro, não é treinamento que vai convencê-lo.

Empresas & Negócios – Quais são os itens que não podem ser descuidados? 

Saiani – Na guerra para continuar vivo, tem um motor que são os líderes. Em rede de lojas próprias, é o gerente que abre e fecha a loja todo o dia, e é quem precisa estar motivado. Se for franquia, é o franqueado. Liderança que trate bem o contratado e pessoas com autodisciplina são as que dão mais alegrias. Essas pessoas têm energia própria e são maravilhosas. Não precisam nem de chefe para mandá-las. Podem até não ser tão brilhantes, mas valorizam o que é investido nelas. Ou seja, elas podem melhorar se tiverem com mais treinamento.

FBV trará inovações a Porto Alegre

Porto Alegre será palco de tendências do varejo entre 28, 29 e 30 de maio. A sexta edição da Feira Brasileira do Varejo (FBV), que pela primeira vez será no Centro de Eventos da Fiergs, vai tocar nos temas que hoje mais recebem atenção do setor, tentando trazer para perto do mercado local o que se viu em Nova Iorque, na National Retail Federation (NRF Big Show). 

O Sindilojas de Porto Alegre está finalizando o rol de atrações, que unem tecnologias, palestrantes nacionais e visitas técnicas para conhecer experiências de varejos locais. “Vamos mostrar a integração do físico com o digital e abordar o fator humano. Precisamos qualificar quem está no atendimento, pois o cliente sabe mais que o vendedor”, diz o presidente do Sindilojas-POA, Paulo Kruse.

Fonte: Jornal do Comércio

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