Gastos das famílias podem ter pior ano em décadas
Desde 1990, retração ocorreu apenas em 1991, 1992, 1998 e 2003
Principal motor do crescimento da economia brasileira nos últimos anos, o consumo das famílias caminha para ter, em 2015, a maior queda desde…
Desde 1990, retração ocorreu apenas em 1991, 1992, 1998 e 2003
Principal motor do crescimento da economia brasileira nos últimos anos, o consumo das famílias caminha para ter, em 2015, a maior queda desde o início da década de 1990. Aumento do desemprego, queda na renda dos trabalhadores, inflação elevada, aumento dos juros e redução do crédito disponível são apontados como os principais fatores para a contenção de despesas nos lares. O resultado é que as famílias estão, a seu modo, fazendo seus “ajustes fiscais”, incluindo “pedaladas”, em alguns casos.
Atrasar a troca do carro, usar a geladeira por mais tempo, deixar de comer fora e substituir marcas mais caras por outras mais baratas são algumas das estratégias usadas pelos consumidores, em todas as faixas de renda. “A crise chegou e é transversal em todas as classes”, diz Renato Meirelles, presidente do instituto Data Popular, especializado em pesquisas sobre os hábitos de consumo das classes de menor poder aquisitivo.
De 1990 para cá, houve retração no consumo em apenas quatro anos (1991, 1992, 1998 e 2003) e todas as quedas foram no máximo de 0,7%, ou seja, em 2015, qualquer recuo superior a isso já será o maior desde 1991 – esse cálculo não existe para 1990, mas o consumo deve ter recuado, pois a economia afundou 4,3% naquele ano, marcado pelo confisco das poupanças no governo de Fernando Collor (1990-1992). A reportagem identificou pelo menos cinco instituições de pesquisa econômica, entre bancos e consultorias, com projeções mais pessimistas do que o recuo de 0,7% neste ano.
João Sabóia, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), explica que até dois ou três anos atrás, a economia vinha sendo puxada pelo consumo privado. A massa total de rendimentos, turbinada tanto pelo maior número de pessoas com emprego quanto pelos aumentos salariais, não parava de crescer. Agora, isso acabou, com os salários sendo reajustados abaixo da inflação e as pessoas perdendo o emprego.
Para Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a desaceleração no consumo das famílias é resultado dos excessos cometidos nos últimos quatro anos. A economia desacelerou a partir de 2011, mas os brasileiros não sentiram isso no dia a dia. Com o mercado de trabalho em expansão, a ampliação do crédito, os juros em queda e o aumento real da renda, o consumo cresceu com muito mais vigor do que a atividade como um todo. “Criamos uma certa euforia. Mas, sem a economia manter o ritmo, a festa ia acabar. O Brasil viveu no crediário e agora vai ter de pagar a conta”, diz Silvia, que vê queda de 2% no consumo este ano.
Sabóia discorda de que os excessos de antes exigem ajuste tão forte agora e critica o peso da alta dos juros, que deixa o crédito mais escasso e caro. “O crescimento da massa de rendimentos acabou porque o governo tomou a iniciativa de fazer um ajuste forte, que está sendo muito maior do que se esperava”, diz.
Na visão de Silvia, a classe média e a classe baixa sofrerão mais, pois não têm o hábito de poupar e estão desprotegidas ante o desemprego e a queda na renda.
Mais otimista, Meirelles, do Data Popular, confirma que a classe C fica mais fragilizada porque não tem poupança, mas, por outro lado, “para a classe C, crise não é exceção, é regra”. “O “se-virômetro” é muito maior nas classes C e D do que nas A e B. As pessoas têm quatro chips de celular para economizar, “hackeiam” o Wi-Fi alheio, entre outras estratégias. Eles estão tendo de rebolar para não dar um passo atrás”, diz Meirelles.