Qualificação ganha o varejo

Capacitação virou palavra de ordem no comércio e não pode ficar mais apenas no discurso. O consumidor, cada vez mais exigente, quer perceber os diferenciais na prática

O balanço apontando um faturamento 40% maior em um supermercado da Serra gaúcha mostra o impacto que a qualificação pode ter no varejo, mas não deixa antever as razões que deram início ao processo de treinamento um ano atrás: a empresa buscava uma tábua de salvação para não se perder diante do tsunami de preços baixos prometido pelo concorrente multinacional que abriu as portas do outro lado da rua. Quem contou a história foi o empresário e consultor Eduardo Tevah. “Quando fui chamado, ouvi do empresário que uma grande ameaça pairava sobre seu negócio, já que o concorrente havia anunciado a nova loja em frente ao supermercado dele”, revela. E o competidor viria com uma marca reconhecida nacionalmente, além de um poder de barganha que só as grandes redes têm. Então, Tevah perguntou se o supermercado tinha um ótimo atendimento para poder se diferenciar, e chegaram à conclusão de que não.

Teve início um processo contínuo de treinamento, pelo qual passaram os funcionários de todos os setores, incluindo os atendentes do açougue, padaria e balança de frutas. Os repositores passaram a levar o cliente até o produto que procurava, quando questionados, em vez de apenas dizer em qual corredor estava. “E a gente, que estava com medo de fechar aquela loja, viu acontecer uma coisa incrível: com o aumento do fluxo de pessoas, provocado pela inauguração do concorrente, mais gente conheceu o bom trabalho que é feito ali e tivemos um aumento de 40% no faturamento”, comemora, ao ponderar que na competição por preço as chances de crescimento seriam nulas.

O episódio, afirmou Tevah, é muito mais comum do que se pode imaginar. “Eu mesmo já vivi isso dentro das lojas Tevah.” Ele lembra um caso em que estavam decididos a fechar uma filial porque, ao analisar o mercado, viam muita dificuldade. “Tínhamos ali um gerente muito bom e estávamos quase acreditando que não teríamos como melhorar, mas resolvemos tirá-lo daquela loja, no Interior do Estado, e colocá-lo em uma imersão. O resultado foi que, ao voltar, ele fez daquela filial a recordista de vendas”, conta.

Para o presidente do Sebrae no Rio Grande do Sul, Vitor Augusto Koch, as mudanças no comércio mundial impõem uma postura mais ativa aos varejistas. “Hoje, o cenário permite ao consumidor adquirir qualquer produto, de qualquer lugar do planeta. Cerca de 7% das compras são feitas pela internet, apesar de o grande público ainda preferir as lojas tradicionais”, observa, ao dizer que é preciso provocar e estimular o mercado.

A qualificação não só determina bons resultados durante as atividades normais, como é fator decisivo para que datas especiais (como Natal e Dia das Mães) e promoções coletivas (como o Liquida Tchê) deem os resultados esperados. “Ao participar de uma campanha conjunta, a empresa tem uma série de benefícios, como uma comunicação eficiente. Mas é preciso que esteja preparada, primeiro, para comprar bem os estoques — nas quantidades certas e com preços bem negociados — e, depois, para mostrar ao mercado seu diferencial, que basicamente é o serviço. São coisas muito importantes e, por isso, a oferta de cursos é extensa”, afirma Koch. Tevah explica que a existência de três níveis de capacitação – técnica, humana e de atitude – faz com que apenas uma combinação rotineira de treinamentos internos e externos tenha resultados duradouros. “É como banho, tem que tomar todos os dias”, brinca.

O calcanhar de aquiles está na resistência
Tevah alerta para a necessidade de treino constante das equipes

Neste ano, o Programa Gaúcho da Qualidade e Produtividade (PGQP) comemorou seu 19º aniversário com um número ainda tímido de adesões entre as empresas de varejo do Rio Grande do Sul. Para o consultor Eduardo Tevah, a pouca abertura do setor aos programas de avaliação da qualidade está na resistência que muitos dos micro e pequenos empresários têm em reconhecer a necessidade de treinar constantemente suas equipes.

“Antigamente, eu poderia colocar aqui no Tevah um anúncio pedindo vendedor de moda masculina com cinco anos de experiência. Hoje não tem mais isso, brinco que o anúncio precisa ser assim: ‘preciso de gente com vontade de trabalhar, eu ensino’, porque já não se encontra gente formada no mercado. Então, se você não gosta de treinar, desista de ser gerente. Desista de ser empresário”, constata.

O consultor defende que a política de qualificação no varejo comece pela capacitação do proprietário, para que ele aprenda a treinar a equipe. “Vai ter que fazer um bom curso de oratória, aprender a passar sua experiência. Tem certas coisas que nenhum consultor consegue ensinar, porque são a realidade cotidiana da empresa”, alega.

Segundo Tevah, o mínimo recomendável é que cada funcionário fique em treinamento durante o equivalente a um dia de trabalho por mês. O período, disse ele, pode ser dividido em duas horas por semana, por exemplo, e deve sempre ter a carga horária compensada, para que ninguém se sinta sobrecarregado. “Há quem recomende treinamento de dois ou três dias por mês, mas acho que um dia é o mais viável para o varejo”, defende.

Para que a capacitação vire rotina, Tevah aponta a necessidade de entendê-la como investimento. Porém, o consultor observa que a postura contrária ao treinamento para evitar a absorção de colaboradores pela concorrência ainda é muito comum entre lojistas. “Os ciclos dos funcionários estão mais curtos, podemos falar da geração Y, mas aquelas pessoas que entravam e ficavam 10 anos na mesma empresa serão uma raridade daqui para frente”, argumenta.

Para Tevah, ir para um posto de trabalho melhor faz parte da vida profissional e, se o funcionário não tiver a perspectiva de conquistar coisas melhores por meio de seu trabalho, nunca irá ter um bom desempenho. “Vamos exemplificar. Você contrata um jovem de 21 anos. A chance de ele ficar mais de dois anos na empresa é pequena, então, capacita logo”, recomenda.

A técnica trata do profundo conhecimento das atividades da empresa e do setor de atuação dela. Para o consultor, não basta que um vendedor de móveis conheça as peças da loja; ele precisa saber os tipos de madeira existentes, as diferenças entre os sofás etc. A segunda capacitação, como define Tevah, é a arte de você aprender a se relacionar bem com as pessoas. “Tu tens que ser uma pessoa legal, as pessoas têm que gostar de trabalhar contigo, porque é isso que vai fazer com que um comprador vire cliente.” Por fim, o consultor aponta a necessidade de desenvolver o dom de mobilizar as pessoas — fazer com que a equipe tenha vontade de experimentar seu máximo e chegar à excelência.

Atendimento capacitado eleva o faturamento em 10%

Provocado a estimar o impacto financeiro dos diferentes tipos de treinamento, o consultor Eduardo Tevah, afirma que, numa avaliação conservadora, é possível esperar um impacto imediato de 10% no faturamento após o treinamento em vendas. “Ninguém rende tanto quanto o treinamento em vendas. Se um vendedor médio vende R$ 100,00, um fraco vende R$ 70,00 e um top vende R$ 130,00, a diferença para cada vendedor pode ir de R$ 70,00 para R$ 130,00”, explica.

Em seguida, o consultor aponta a qualificação de liderança como outra de grande impacto nos resultados do comércio varejista. Isso porque a prática de transformar bons vendedores em gerentes ainda é a mais adotada pelo setor. Ajudar o profissional a fazer a passagem entre o posto de vendedor e o de liderança é, segundo Tevah, papel da empresa, que será beneficiada com a retenção de talentos em todas as áreas (já que as pessoas tendem a “pedir demissão do chefe, não da empresa”) e terá uma equipe mais motivada.

“O terceiro treinamento é o comportamental, que é o que eu chamo de atitude. Só funcionários felizes fazem clientes felizes, o resto é papo furado”, sintetiza Tevah, lembrando que cada atendimento é visto pelos clientes como a imagem da empresa. “O varejo ainda está tateando em treinamento e gestão, mas entramos na era darwiniana – é a seleção natural da espécie. Está muito competitivo, com margens de lucro e rentabilidade cada vez menores. Daqui para frente, o grande diferencial vai ser o serviço, porque só temos três brigas: serviço, marca e preço.”

Entidades apontam qualificação como caminho para o crescimento

A qualificação do varejo é a bola da vez no processo de aperfeiçoamento das cadeias produtivas nacionais, segundo a avaliação do presidente do Sebrae no Rio Grande do Sul, Vitor Augusto Koch. Ele explica que, como grande duto de escoamento de produtos, o comércio precisa acompanhar o processo de qualificação que é feito pela indústria há bastante tempo. Segundo Koch, há uma grande oferta de cursos. O Sebrae aumentou de R$ 4 milhões para R$ 10 milhões o investimento em treinamentos voltados para o comércio em nível nacional. “Entendemos que, se tivermos um comércio qualificado, teremos bons resultados em todo o ciclo econômico. De nada adianta a indústria fazer com qualidade se não expusermos direito e o produto ficar parado”, afirma o dirigente.

O presidente do Sindilojas de Porto Alegre, Ronaldo Sielichow, destaca que, para cumprir o objetivo de ajudar os lojistas a ter lucro, a entidade criou um núcleo de inteligência para ouvir as necessidades do mercado e definir a melhor oferta de qualificação, que é proporcionada de forma gratuita para as empresas associadas. O investimento feito, neste ano, chega a R$ 130 mil.

O curso de vitrinismo, por exemplo, foi reivindicação dos lojistas. Além das aulas, o Sindilojas promove um laboratório que permite trabalhar a parte prática. Os alunos montam uma vitrine que é avaliada pelos instrutores. O mesmo tipo de vivência acontece no curso de vendedores. Também no núcleo de Inteligência foi criada a Geração Varejo, que recebe o cadastro de jovens, que são avaliados psicologicamente. “Estamos fechando acordo com o Exército para que os rapazes que deixam o serviço militar possam ser empregados pelo comércio”, informa.

Embora o interesse do varejo pela qualificação ainda seja considerado incipiente, existe otimismo com o crescimento da área. A gestora de Recursos Humanos da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Tatiana Zaffari, afirma que, no último ano, a procura por cursos cresceu 20%, segundo dados do faturamento da entidade.

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