Quero ser varejo

Um casamento complicado, repleto de insatisfações, mas do qual nenhuma das partes quer abrir mão. Assim é a relação entre a indústria de bens de consumo e o varejo. De um lado, quem produz as mercadorias,…

Um casamento complicado, repleto de insatisfações, mas do qual nenhuma das partes quer abrir mão. Assim é a relação entre a indústria de bens de consumo e o varejo. De um lado, quem produz as mercadorias, seja um biscoito, um tênis ou um xampu, quer sempre fabricar mais barato e vender mais caro. Na outra ponta, quem revende esses produtos quer pagar o mínimo aos produtores e vender ao maior preço possível.

Algumas indústrias, no entanto, tentam estabelecer outros parâmetros para essa relação. Por ora, ninguém arrisca uma separação radical. A ideia é tomar um pouco do espaço do varejo para reduzir a dependência desse canal ou, em alguns casos, aproximar-se dele para unir forças. Empresas como Bauducco e Fini acabaram de abrir suas próprias operações varejistas. A Electrolux estreia seu e-commerce no primeiro semestre deste ano. Outras, como Ambev, Alpargatas e Granado, que já atuam nesse canal, planejam aumentar sua presença.

Há dois caminhos para a indústria entrar no varejo. Pode ser por meio de franquias ou lojas próprias, vendendo aquilo que elas já repassam ao atacado ou criando produtos exclusivos para esse canal. Conhecer melhor o cliente e valorizar a marca são as justificativas oficiais para o novo passo. Mas os interesses vão além disso. A estratégia surge como uma forma de aumentar a margem de lucro ou melhorar a distribuição dos produtos. Ou conter o avanço da concorrência. Ou tudo isso junto.

A receita, até agora, tem funcionado. Não sem algum trabalho. É preciso, por exemplo, aprender a lidar com um público e um canal totalmente diferentes. A Fini, produtora de balas e confeitos, que no ano passado abriu sua primeira loja própria, tem uma nova dor de cabeça: o atendimento ao consumidor final. “Se ele for mal atendido, é a nossa marca que será maculada. Antes, a preocupação se restringia à qualidade e ao custo do produto”, diz João Paulo Chaccur, diretor-geral da empresa.

Esse é apenas um dos obstáculos enfrentados por quem se aventura no varejo. Marcus Rizzo, diretor da Rizzo Franchise, diz que, no médio e longo prazo, outros problemas tendem a aparecer. Nem todo cliente antigo vê com bons olhos o fato de seu fiel fornecedor virar um concorrente. “Se puder, vai deixar de comprar o seu produto ou, no mínimo, expô-lo mal na loja como forma de retaliação”, diz. Em outros casos, a criatura pode se voltar contra o criador. Dois grandes concorrentes da fabricante e varejista de calçados Arezzo – as redes Andarella e Santa Lolla – começaram nesse mercado justamente como seus franqueados. Marcelo Cherto, da Cherto Consultoria, diz que só quem aprende a jogar bem nas duas posições sai vitorioso. “É preciso ter uma produção eficiente e uma rede de lojas bem gerida.”

A seguir, as estratégias que movem essa onda de investimentos da indústria no varejo – e os desafios que ela traz.

OBJETIVO: CRIAR UMA NOVA UNIDADE DE NEGÓCIOS

Há um ano e meio a Bauducco contratou a Cherto Consultoria, especializada em franquias, para encontrar um novo modelo de negócios. O objetivo era levar sua marca para além dos supermercados e padarias. O projeto saiu do papel em setembro de 2012, quando foi inaugurada a primeira Casa Bauducco, em São Paulo. A loja vende uma linha exclusiva de panetones, cookies e bolinhos artesanais, feitos em menor escala e com ingredientes mais nobres do que aqueles vendidos no varejo comum. São, também, mais caros. Assim, a empresa não entra em conflito com seus clientes antigos.

A Casa Bauducco está inserida num plano que vai além de uma loja-conceito: a criação de uma unidade de negócios chefiada por Paulo Cardamone, ex-diretor de marketing da empresa. Em 2013, ele tem a missão de abrir mais oito lojas. Depois, o crescimento deve ocorrer por meio de franquias. Além de vender produtos mais caros – e com uma margem de lucro maior, já que não há a intermediação do varejista –, o novo negócio, segundo Cardamone, valoriza a marca e permite entender melhor os desejos do consumidor final.

Que o diga a Granado, fabricante dos tradicionais sabonetes de glicerina e do polvilho antisséptico que levam seu nome. Duas linhas de produto – uma para adolescentes e outra para tratamento de cabelo – não foram bem nas lojas próprias. “Percebemos logo que não teriam saída. Mudamos os produtos e lançamos em outros canais de venda”, diz Sissi Freeman, diretora de marketing da empresa. Sem as lojas, a Granado só descobriria o problema quando os produtos encalhassem nos supermercados e nas farmácias.

Neste ano, a empresa planeja abrir cinco lojas, para chegar a um total de 20, todas próprias. A estimativa é de que elas respondam por 20% do faturamento – no ano passado, esse número girou em torno de 12% das receitas de R$ 240 milhões. Até 2004, ano em que o pai de Sissi, Christopher Freeman, comprou a Granado, a empresa tinha apenas duas farmácias no centro do Rio de Janeiro. O faturamento era dividido entre os produtos próprios e medicamentos de outras marcas. Com a nova estratégia, as prateleiras serão 100% da Granado.

A maior dificuldade não foi achar um bom ponto comercial ou acertar no mix de produtos. “O desafio foi mudar a mentalidade de quem trabalha na empresa”, diz Sissi. Todo mundo preferia fazer 1 milhão de sabonetes a ter de pensar em novos produtos ou estratégias de marketing diferentes. Agora, a companhia lança pelo menos um novo produto por mês. Já são 400 itens no portfólio.

Assim como a Bauducco, a Granado também lucra mais nos itens que vende diretamente em suas unidades. Mas o custo de estar no varejo é mais alto. Segundo Sissi, a estratégia passa a valer quando se tem escala. Um número maior de lojas dilui os gastos que se tem com todas as atividades criadas para sustentar o negócio: um novo departamento financeiro, uma nova área de logística, o marketing independente da indústria etc. Não dá para armar toda essa estrutura apenas para atender duas ou três unidades. Entrar no varejo é o mesmo que montar uma nova empresa.

OBJETIVO: MELHORAR A MARGEM DE LUCRO

A Fini é uma produtora de balas, marshmellow e outras guloseimas. Fundada na Espanha em 1971, tem fábrica no Brasil desde 2001. Sua estratégia era produzir aqui e vender para distribuidoras de doces, redes de supermercados e pequenas lojas. Atuar diretamente no varejo estava fora dos planos. Aliás, as tentativas de abrir lojas no Brasil para vender exclusivamente balas e confeitos nos anos 90 fracassaram. O dólar alto (que encarecia o produto importado) e a falta de intimidade dos brasileiros com esse tipo de comércio fizeram muitos empresários perder dinheiro.

Em setembro de 2012, a Fini decidiu que era a hora de melhorar a margem de lucro do negócio e de reduzir a dependência dos contratos com varejistas tradicionais. Inaugurou sua primeira loja própria. Ao vender seus produtos diretamente ao consumidor final, a empresa embolsa um valor quatro vezes maior do que recebe nos contratos com atacadistas e supermercados. Desde setembro, foram abertas outras 11 unidades. A Fini quer ter 80 até o fim deste ano e chegar à marca de 500 lojas em 2018. “Primeiro queremos dominar o negócio. Por 42 anos fomos indústria. Estamos aprendendo agora a trabalhar nas duas pontas”, diz João Paulo Chaccur, diretor-geral da empresa no Brasil.

Além do desafio de atuar numa nova atividade, Chaccur teve de evitar o conflito com os clientes antigos (e fiéis) da empresa. Por isso, 70% dos produtos vendidos na loja Fini são feitos com exclusividade para esse canal. O investimento na nova estratégia será de R$ 23 milhões neste ano. A estimativa é que até o fim de 2014 as lojas próprias respondam por 15% de seu faturamento no Brasil. Hoje, esse número não chega a 5%.

OBJETIVO: EXPANDIR A REDE DE DISTRIBUIÇÃO

No mercado de cervejas, distribuição é questão de vida ou morte. “Nossa empresa depende de 1 milhão de bares espalhados pelo país”, diz Francisco Prisco, diretor de novos negócios da Ambev. É por isso que, desde 2003, e com mais força a partir de 2011, a cervejaria se dedica a desenvolver novos canais de vendas no varejo. A opção foi por criar diversas formas de franquia para vender chope e cerveja. As primeiras empreitadas foram os quiosques Brahma em shoppings e aeroportos, e a entrega de chope na casa do consumidor final para comemorações como aniversários e casamentos. Há dois anos, depois de uma extensa pesquisa em parceria com a consultoria Data Popular, a Ambev percebeu que aqueles botecos meio malcuidados, mas sempre lotados de gente tomando cerveja, eram uma mina de ouro. Montou então o programa Nosso Bar. Nele, o dono do bar vira um franqueado da Ambev. Com um investimento em torno de R$ 30 mil ele reforma o estabelecimento, compra novas cadeiras, mesas e utensílios, mas permanece com o antigo nome: Bar do Zezinho, Bar do Mané, e assim vai. Com essa estratégia, a Ambev acertou dois alvos: passou a vender mais cerveja para esse pessoal (as vendas crescem, em média, 50% após a reforma) e cercou a concorrência, já que o franqueado só pode vender as bebidas da empresa.

A Ambev testa agora um novo modelo de franquia, voltado para um público mais endinheirado e que, diferentemente do Nosso Bar, não está restrito ao estado de São Paulo. O Seu Boteco é um bar requintado, que vende as marcas premium da cervejaria, como Original, Bohemia, Budweiser, Stella Artois, Quilmes. Dois foram inaugurados neste início de ano: em Fortaleza e em Teresina. A meta de Prisco é que a divisão de novos negócios cresça 50% em 2013.

Pulverizar a distribuição também foi o que levou a Alpargatas a apostar nas franquias das lojas da Havaianas e da Timberland (marca de roupas e tênis). Marcelo Cherto, que ajudou a companhia no processo de abertura de lojas da Timberland, disse que, num primeiro momento, os clientes da Alpargatas chiaram muito. Teve loja que ameaçou não vender mais os produtos da marca. “Mas dois meses depois da inauguração de uma loja própria em um shopping da cidade de São Paulo, as vendas dos calçados da Timberland também cresceram naquele varejista que não tinha gostado da novidade.” No caso da Havaianas, as lojas serviram, num primeiro momento, para convencer o varejo tradicional de que era possível vender modelos mais caros. Havia a crença de que o consumidor não estaria disposto a pagar mais do que R$ 19 pela sandália e por isso mesmo as prateleiras ficavam repletas de modelos mais básicos. Bastaram as primeiras lojas para a Alpargatas provar a tese: modelos um pouco mais caros são vendidos como pão quente. Não por acaso, a empresa abriu 279 unidades. O tíquete médio aumentou (a Alpargatas não revela quanto) e o varejo seguiu o conselho da empresa, diversificando seus pedidos de Havaianas.

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