Sobras de Natal
Por Sérgio Adeodato, para o Valor, de São Paulo
21/12/2009
Com a retomada do crédito e a redução do IPI para geladeiras, fogões e lavadoras, o setor de linha branca estima fechar o ano com vendas 20%…
Por Sérgio Adeodato, para o Valor, de São Paulo
21/12/2009
Com a retomada do crédito e a redução do IPI para geladeiras, fogões e lavadoras, o setor de linha branca estima fechar o ano com vendas 20% maiores que no ano passado, totalizando 20 milhões de unidades – o maior movimento da história. O resultado é impulsionado pelo 13º salário e o consumo do Natal. Igual situação é a dos computadores e dos automóveis econômicos, que ficaram mais baratos com menos impostos desde o último trimestre de 2008 e que manterão o benefício para a linha flex e a álcool até março do próximo ano. O país fechará 2009 com recordes na produção e venda de veículos. Os números elevam o ânimo das indústrias e de suas cadeias produtivas. Mostram que as medidas do governo surtiram o efeito desejado – a manutenção dos empregos e da atividade econômica.
Mas a solução, apesar de ganhos na eficiência energética dos novos eletrodomésticos e da emissão de menos poluentes pelos automóveis, traz um problema ambiental até o momento sem resposta. Qual o destino dos produtos antigos que saem de uso?
A questão dos resíduos levanta dúvidas sobre o balanço ambiental da redução de IPI e seu passivo. “Como a venda dos eletrodomésticos novos não está atrelada ao descarte dos obsoletos, um dia as carcaças acabam parando em desmontes com risco de impactos nocivos”, reconhece Silvano Silvério, diretor de ambiente urbano do Ministério do Meio Ambiente.
Além disso, o ganho com energia das novas geladeiras mais econômicas perde força sem uma política para desativar as antigas. No ano passado, 55% dos 6 milhões de refrigeradores vendidos no país tinham selo de eficiência energética, proporcionando uma economia de 1,56 bilhão de KWh/ano, equivalente ao consumo anual de 880 mil residências. “A economia seria maior se as antigas fossem desativadas, mas não temos estrutura de coleta e reciclagem para isso”, afirma Hamilton Pollis, chefe da divisão de equipamentos eficientes do Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica). A questão, diz ele, é complexa: “Ninguém quer se responsabilizar pela sucata e é preciso discutir quem deve pagar por isso”.
O assunto começou a ser discutido no programa recentemente desenhado pelo Ministério das Minas e Energia para a substituição de 10 milhões de refrigeradores em dez anos – iniciativa engavetada após a política de redução de imposto pela Fazenda. Estava prevista a coleta e recuperação de 5 mil toneladas do gás CFC (clorofluorcarbono), que existe nas geladeiras antigas, prejudica a camada de ozônio da atmosfera e ainda contribui para o efeito estufa que aquece o planeta. Conhecido como Bolsa Geladeira, o programa estimou uma economia de energia correspondente a uma usina hidrelétrica de R$ 1,6 bilhão, com redução de 32 milhões de toneladas de carbono. Mas esbarrou em problemas, como a necessidade de um sistema controlado para absorver e reciclar metais, plásticos e outros materiais contidos nos produtos substituídos – um gargalo que hoje preocupa com o aumento do consumo.
Só entre janeiro e setembro foram vendidos mais de 4,6 milhões de geladeiras, 4 milhões de fogões e quase 5,2 milhões de lavadoras. O mercado informal de segunda mão é, por enquanto, o destino da maioria dos produtos velhos. “Mas a necessidade de descartá-los chegará cedo ou tarde, como já acontece em outros países, e devemos estar preparados para isso”, adverte Armando do Valle Jr., diretor de relações institucionais da Whirlpool Latin América, dona das marcas Brastemp e Consul. A empresa mantém hoje uma linha de desmontagem de refrigeradores antigos em sua fábrica de Joinville (SC) – processo iniciado em 1997 com a substituição e reciclagem de todas as geladeiras ineficientes da ilha de Fernando de Noronha, em parceria com a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). Hoje a indústria recebe e desmonta por ano entre 60 mil e 100 mil unidades. São provenientes das vendas de novos modelos para programas de eficiência energética de distribuidoras de energia, como Eletropaulo e CPFL, em São Paulo, que doam os produtos à população de baixa renda em troca dos antigos. O Grupo Neoenergia substituiu, em dez anos, 50,4 mil geladeiras em suas concessionárias de energia em Pernambuco, Rio Grande do Norte e Bahia. Após a desmontagem, 90% dos materiais são reaproveitáveis – cada produto rende cerca de 38 kg de ferro, 1 kg de alumínio e 600 gramas de plástico, além do óleo lubrificante do compressor. Os recursos com a venda para empresas de reciclagem credenciadas são aplicados em programas sociais.
“O projeto agora é expandir o serviço no varejo, iniciando pela parceria com as Lojas Colombo, no Rio Grande do Sul, em atenção aos consumidores que compram geladeiras novas e desejam se desfazer das velhas”, anuncia Paulo Vodianitskaia, gerente de sustentabilidade da Whirlpool. “A logística tem que funcionar muito bem, ser economicamente viável e envolver toda a cadeia da reciclagem com processos e tecnologias de reaproveitamento bem definidos”, ressalva Vodianitskaia, informando que a empresa está discutindo com governo um plano nacional de troca.
Para definir uma padronização nacional, a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) aguarda a aprovação da lei que estabelece a política Nacional de Resíduos Sólidos, em fase final de tramitação no Congresso Nacional. A nova legislação prevê a logística reversa, na qual as indústrias têm a responsabilidade pela reciclagem dos produtos fora de uso, a começar pelos eletroeletrônicos. “Para avançar, o modelo precisa de definições, como incentivos na tributação”, afirma André Vilhena, diretor-executivo do Compromisso Empresarial para reciclagem (Cempre). Um dos problemas é o chamado “resíduo sem dono”, gerado pelo mercado informal. No setor de informática, a clandestinidade diminuiu mais que a metade nos últimos anos, mas ainda corresponde a 34% do movimento.
As indústrias, principalmente as multinacionais que operam em países com leis ambientais rígidas, se antecipam à aprovação da lei brasileira. É o caso da HP, que mantém um centro de reciclagem em Sorocaba (SP) para receber computadores, impressoras, cartuchos e outros acessórios fora de uso. Neste ano, foram recicladas 900 toneladas de PCs e notebooks. “O trabalho está só no começo, se comparado a Estados Unidos e Europa”, admite Renata Gaspar, diretora de marketing da empresa. Os equipamentos já são concebidos na prancheta visando a recuperação após a vida útil. No caso das impressoras, há na composição 90% de materiais recicláveis.
“Será o melhor Natal dos últimos anos”, prevê Renata, tendo como base o aquecimento do setor no ano e o recente anúncio da redução de IPI também para computadores. Um terço das residências brasileiras tem computador – três vezes mais que seis anos atrás. As vendas cresceram em média 30% ao ano entre 2004 e 2008. Até o fim de dezembro, a previsão é que cheguem mais 12 milhões de unidades ao mercado, aquecendo o debate sobre o que fazer com os modelos antigos. Além disso, em 2009 foram produzidos no Brasil 62 milhões de celulares, que serão descartados após um ano e meio de uso, em média. Diante desses números, cresce no país a reciclagem do lixo eletrônico – resíduo que alcança 50 milhões de toneladas por ano no mundo, com risco de contaminar o ambiente com metais pesados e outros produtos tóxicos.
No caso dos automóveis, o IPI reduzido levou a novo recorde de produção, com aumento de 10,2% em 2009. Incluindo ônibus, caminhões e vans, foram vendidos mais de 3 milhões de unidades, o que fez a frota brasileira em circulação chegar a 27, 5 milhões de veículos, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). É a décima frota do mundo em carros – só em São Paulo, são mil novos por dia. Mas os números demonstram que as vendas têm superado o sucateamento, o que significa passivo ambiental. Metade dos automóveis tem mais de dez anos de uso, sem catalisadores para reduzir poluentes. Em relação aos caminhões, o problema é mais grave: 700 mil têm mais de 20 anos e a maioria está na mão de caminhoneiros autônomos, sem recursos para manutenção ou troca.
Os veículos velhos são mais propensos a defeitos, o que causa engarrafamentos e acidentes, a um custo social de R$ 7,5 bilhões. “O debate para uma política de reciclagem e incentivos à renovação da frota é antigo, veio à tona na crise econômica para manter a produção industrial, mas foi esquecido com a retomada das vendas”, diz Heitor Bergamini, diretor executivo da Gerdau Metálicos. Em 2008, a empresa consumiu em suas unidades no exterior sucata equivalente a 32 milhões de automóveis, destinando o material para a produção de aço. Há capacidade para processar 2,5 milhões de carros por ano no Brasil, onde 25% do aço têm a sucata como matéria-prima. “Sem a troca por novos, os veículos antigos continuam rodando até parar em desmontes ou aterros sanitários”, afirma o executivo, informando que “os pátios do Detran guardam mais de 2 milhões de carros abandonados”.