“Crescimento econômico pode andar de mãos dadas com o meio ambiente”

“Não fui mochileiro, não subi em árvores nem colecionei insetos”, diz Mark Tercek, autor do recém-lançado Capital Natural (Ed. Alaúde) e CEO da The Nature Conservancy (TNC). Na verdade, ele passou a…

“Não fui mochileiro, não subi em árvores nem colecionei insetos”, diz Mark Tercek, autor do recém-lançado Capital Natural (Ed. Alaúde) e CEO da The Nature Conservancy (TNC). Na verdade, ele passou a vida trabalhando em bancos: primeiro no Bank of America e depois, por 24 anos, no Goldman Sachs. Neste, começou a criar projetos ambientais – não por idealismo, mas para lucrar, mesmo. Em 2008, foi comandar a TNC, onde lidera 4 mil funcionários em 34 países. Na organização, Tercek busca encontrar formas de conciliar os interesses do capital e a proteção ao meio ambiente. Ele falou a Época NEGÓCIOS sobre o preço que a água deveria ter, as soluções para conservar esse recurso e como conciliar o consumo crescente com os limites físicos do planeta.

Os ativos ambientais, de forma geral, são mal precificados. Uma indústria, por exemplo, deveria pagar para poder poluir o ar de todos nós e fabricar produtos que vende com lucro. A água é mal precificada?
É uma ótima pergunta, e a resposta não é simples. De forma geral, a água é amplamente sub precificada ao redor do mundo. Na maioria dos casos, o preço reflete os custos do tratamento e da distribuição, mas não o valor do recurso em si.

Por que isso acontece?
Existem diversas razões. É difícil determinar o quanto cada um deve pagar pela água. Em primeiro lugar, a água é um bem público que é dividido por muitos consumidores diferentes. Além disso, o valor dela é algo local. O preço depende da disponibilidade, das ameaças locais à qualidade e à oferta, e das características ecológicas da fonte. E, acima de tudo, você deve considerar as commodities que requerem água para serem produzidas, como os alimentos. Essa demanda por água afeta o preço para todo mundo.

Mas é possível corrigir a questão da precificação da água?
Existem algumas formas de governos e comunidades corrigirem o preço da água. Uma, claro, é elevar a tarifa dos usuários. Isso é duro, porque a água é um direito humano essencial. Mas temos visto lugares onde as tarifas estão sendo elevadas baseadas no consumo. Em outras palavras, quanto mais você usa, mais você paga. No Chile, por exemplo, para acomodar as comunidades mais pobres, elas recebem uma alocação inicial de água gratuita e pagam a tarifa normal para usar mais.

É preciso dizer que o preço é uma parte importante da conservação da água, mas as atitudes também precisam mudar. Nós não somente damos um preço baixo demais para a água, nós também damos um valor baixo a ela. Os consumidores precisam estar mais alertas sobre de onde a água deles vem, o que os deixaria mais dispostos a pagar mais e também conservá-la. Os economistas só conseguem ajudar até um certo limite. Também precisamos de mudanças políticas e sociais.

Quem é o maior consumidor de água do planeta?
A agricultura é a maior consumidora de água. Por causa disso, temos que considerar como a indústria do alimento pode conservar melhor o recurso. As metrópoles devem olhar além dos limites da cidade ao desenvolver planos de manejo da água. Por exemplo, Pequim, na China, queria que fazendeiros de áreas próximas a nascentes deixassem de plantar arroz – que usa muita água – para cultivar o milho. Acontece que o milho é bem menos lucrativo. Assim, a cidade decidiu pagar aos agricultores a diferença, para que possam fazer a mudança.

Uma solução que tem se mostrado promissora são os fundos de água. Como eles funcionam?
No modelo dos fundos de água, os grandes consumidores colocam dinheiro para ser usado na conservação das bacias hidrográficas. Isso inclui distribuidoras de água, empresas de bebida e alimentos e geradoras de energia, que dependem de um fornecimento confiável de água. Como muito raramente apenas um consumidor usa toda a água de uma região, é importante investir na governança desse manejo coletivo da água. A The Nature Conservancy frequentemente faz esse papel de um ‘terceiro confiável’. Os fundos de água têm uma grande vantagem por serem quase sempre livres de interferências políticas e bastante transparentes.

Uma grande questão econômica atual (além da questão da desigualdade) é o conflito entre os limites físicos do planeta e a prerrogativa de que o consumo vai continuar crescendo, sobre a qual os mercados financeiros estão estabelecidos. Existe solução para isso?
Sim, olhando para a frente, temos alguns enormes desafios a resolver. A população mundial vai crescer dos atuais 7 bilhões para pelo menos 9 bilhões nas próximas duas décadas. Ainda mais importante, bilhões de pessoas vão sair da pobreza e entrar para a classe média. Isso é uma coisa boa. Mas essa tendência também vai se traduzir em mais demanda por comida, água e energia. Teremos que produzir entre 50 e 100% mais dessas necessidades, a partir de um meio ambiente que já está sobrecarregado. Isso vai colocar uma enorme pressão nos ecossistemas que tentamos proteger. Para piorar, esses desafios serão exacerbados pelas mudanças climáticas.

Na TNC, contudo, acreditamos que o crescimento econômico pode andar de mãos dadas com o meio ambiente. A propósito, fizemos diversos trabalhos no Brasil e na região, como a intensificação sustentável da agricultura, onde estamos aumentando a produtividade e minimizando os impactos adicionais para o meio ambiente. Ferramentas como os fundos de água ajudam a manter a água limpa e fluindo, ao mesmo tempo em que protege a natureza e reduz os custos de tratamento de água. Usando ‘smart science’, a gente consegue ajudar a direcionar o desenvolvimento de energia, mineração e infraestrutura para lugares onde causam impactos mínimos. São só alguns exemplos de como decisões inteligentes podem nos ajudar a cumprir as necessidades do futuro sem destruir as terras e águas das quais todos dependemos. Não é fácil, e nem sempre vamos acertar na primeira tentativa. Mas é possível encontrar soluções ganha-ganha, que são boas para as pessoas e para o meio ambiente.

Veja também

    Noticias

    Estratégias e ações desenvolvidas pelo bloco empresarial é tema de debate em r...

    Veja mais
    Noticias

    Varejo Movimento destaca o comércio de decoração

    Veja mais
    Noticias

    Reunião de Diretoria Ampla apresenta ações com associados e lojistas em geral

    Veja mais
    Decretos e regrasNoticias

    Pacote de estímulo à recuperação de pequenos negócios após enchentes é lan...

    Veja mais